.:: Relendo os clássicos brasileiros: os enfrentamentos no tempo e permanências

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Um feliz Natal e um 2004 repleto de realizações e partilha. Com carinho, Mara
5.4.04
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A Susana e suas descobertas on line encaminhou esta publicação no site do Tramse. Na última sexta feira, dia 2 o Prof. Chico de Oliveira esteve em Porto Alegre e Proferiu palestra na Faculdade de Economia. Continua brilhante, com um humor refinado e extremamente lúcido em sua leitura da sociedade brasileira. Vale a pena ver seu último livro retomando a analogia do "Ornitorrinco".

Segue o material enviado pela Su.
Boas Leituras para quem relê clássicos e pode encontrar alguém como Chico.
Até amahnã, ao vivo!



[Especial 1964-2004 - 40 anos esta noite ]


FRANCISCO DE OLIVEIRA


O legado mais nefasto da ditadura militar dá-se no plano da política. A financeirização externalizada da economia impede as classes sociais internas de decidir sobre os rumos do Estado e da sociedade brasileira.

O golpe militar que instaurou a mais longa ditadura no Brasil completa quarenta anos nesta passagem de 31 de março para 1º de abril: é a grande mentira nacional. Mas seria pura estultice teórica, com graves conseqüências políticas, negar o caráter determinante dos vinte e um anos da ditadura para a formação do que hoje somos. Somados aos quinze anos da ditadura de Vargas, de 1930 a 1945, resultam 36 anos de regimes declaradamente ditatoriais em 50 anos de acelerado crescimento econômico, entre 1930 e 1980. Isso deveria dizer alguma coisa sobre o caráter violento da expansão capitalista no Brasil no século XX.
No período militar, a coerção estatal foi utilizada no grau máximo para acelerar o desenvolvimento: repressão ao movimento de trabalhadores, intervenção nas universidades, combinado com o uso do dinheiro público para financiar expansão e fusão de empresas, de forma que o Bradesco, por exemplo, simplesmente um tamborete no início dos anos sessenta, coloca-se no primeiro ou segundo lugar entre os bancos nacionais privados; o Itaú não é diferente: do modesto Banco da América, de fusão em fusão, transformou-se também ora no primeiro, ora no segundo entre os bancos privados nacionais.

Na indústria pesada, os financiamentos do BNDE, através do Finame, alavancaram poderosos grupos que depois a “abertura” de FHC tornou pó. E as empresas estatais chegaram a representar uma porcentagem elevada do PIB brasileiro, dando a impressão, a quem chegasse de Marte, que se tratava de uma economia socialista. Fundos públicos foram constituídos como elementos de financiamento da acumulação de capital num grau que o mais delirante “populista” jamais se atreveria.

Mas a própria aceleração da expansão pregou uma peça aos que pensavam ter resolvido para sempre os dilemas de uma economia na periferia do capitalismo. O uso do dinheiro externo, que fez com que a dívida externa brasileira saltasse dos 3 bilhões de dólares com Jango para 105 bilhões quando Figueiredo passou o bastão a José Sarney, externalizou definitivamente, por longo tempo, o financiamento da acumulação de capital. Com a globalização financeira, a dívida externa brasileira transformou-se no algoz do investimento.O último grande esforço para sair dessa armadilha deu-se no governo Sarney, com Dilson Funaro e a equipe da Unicamp, que com o Fundo Nacional de Desenvolvimento tentaram reverter o descalabro financeiro do Estado brasileiro, e fazê-lo voltar ao papel de grande financiador.O FND foi boicotado e ali finava-se a grande fase chamada “desenvolvimentista”.

Depois disso, todos os governos viram-se às voltas com a dependência financeira externa da acumulação de capital. FHC tentou desbloquear internalizando poderosamente a própria financeirização globalizada, através de uma política cambial que se mostrou temerária e devastadora. As privatizações foram o grande atrativo para os capitais, mas esgotada essa fase, o capital produtivo não continuou a entrar como era esperado. O governo de Luis Inácio Lula da Silva não consegue escapar dessa restrição: não há nenhuma economia no mundo que consiga pagar 9% do PIB como serviço da dívida e continuar investindo. Se pensarmos que o coeficiente de investimento sobre o PIB hoje não passa de 17% a 18%, dá para ver o impedimento de forma clara.

O legado mais nefasto da ditadura militar dá-se no plano da política. A financeirização externalizada da economia brasileira retira das classes sociais internas a capacidade de decidir sobre os rumos do Estado e da sociedade. É como se tornasse nossos votos inúteis e descartáveis. Não há, portanto, nada a comemorar. Nos dias que antecederam ao golpe, a esquerda brincava: “nada de intermediários: Lincoln Gordon para presidente”. O chiste virou profecia. Agora, chamaremos Soros ou Anne Krueger?

Francisco de Oliveira é professor-titular aposentado do Depto. de Sociologia da USP e coordenador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da FFLCH-USP

publicado originalmente na Agência Carta Maior em 01/04/2004